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  • Foto do escritorAdriana Ferreira

Resenha do Livro: Drive My Car, conto de Haruki Murakami

Atualizado: 5 de jan.

O conto, que inspirou o filme, nos faz encarar as estranhezas do comportamento humano e suas mais complexas emoções.

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Escritor Haruki Murakami | Foto Reprodução Internet

Confira a resenha do conto Drive my Car, presente no livro Homens sem Mulheres, de Haruki Murakami, com tradução de Eunice Suenaga e publicado pela Alfaguara em 2015. ​​


Não somos o que nos acontece, somos o que fazemos com aquilo que nos acontece. Alguém disse essa frase, ou algo parecido com isso, e eu não me atreveria a citar a autoria que uma busca no Google me sugere. Mas, mesmo assim, a cito aqui por ela conseguir sintetizar perfeitamente o meu sentimento depois de ler Drive my car.


Talvez você conheça essa história pelo filme, de mesmo nome, do diretor Ryusuke Hamaguchi e vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2022. Mas, a original que inspirou o longa-metragem, está no livro Homens sem Mulheres do escritor japonês Haruki Murakami.


O pequeno conto apresenta a história de Kafuku, um ator de sucesso com uma vida muito ocupada entre peças de teatro, filmes e aulas. A priori, um homem bem-sucedido que devido à idade e agenda muito agitada não está mais podendo dirigir e precisa de um motorista.


Na busca pelo profissional, acaba recebendo a recomendação de Misaki Watari, uma mulher jovem, indicada por seu mecânico de confiança. Inicialmente o fato de ser uma motorista mulher, ao invés de um motorista homem, preocupa Kafuku. Isso fica muito claro nas suas divagações iniciais onde apresenta uma teoria sobre os tipos de motoristas mulheres, trecho um tanto sexista, mas inegavelmente, bem-humorado.


A decisão de contratar Watari é baseada na confiança em quem a recomendou e também pela particular descrição feita da moça: "É meio grossa, fala pouco e fuma muito — disse Ôba. — Quando conhecê-la, vai perceber. Ela não faz o tipo da menina graciosa. Quase nunca sorri. E, para ser sincero, é um pouco feia". Pronto, era o perfil perfeito na visão de Kafuku, que não queria ser distraído nem despertar possíveis boatos sobre sua relação com a motorista mulher.


Passamos então a acompanhar o dia a dia agitado de Kafuku, indo de um lado para o outro levado por sua nova motorista Watari. Como previsto, a jovem era muito discreta, pontual e dirigia muito bem, deixando o ator tranquilo e bastante confortável para ensaiar suas falas nos trajetos. Com o passar do tempo, um silêncio cada vez mais confortável se estabelece entre os dois e com o clima bastante amigável, Kafuku viaja em suas lembranças relaxando no banco de trás do seu próprio carro.


Através dessas memórias, descobrimos que ele é viúvo há alguns anos e enquanto esteve casado, perdeu uma filha com poucos dias de vida, fruto desse mesmo casamento. Além disso, descobriu ser traído por sua falecida esposa, com certa frequência, enquanto ela estava viva e trabalhando como atriz. Ao acompanhar a rotina de Kafuku, também descobrimos como a agenda cheia é, na verdade, uma fuga da solidão e como sua completa dedicação ao trabalho, esconde um vazio existencial enorme.


Essas descobertas, porém, não passam despercebidas pela discreta, mas observadora Watari. Que com bastante tato aproveita os momentos certos para puxar conversa com seu reservado chefe. Curiosa e certeira em seus questionamentos, ela desperta nele reflexões profundas e faz com que ele revisite seus sentimentos e vivências mais íntimos.


Nesse ponto o conto toma outro rumo, pois descobrimos para além das lembranças de Kafuku. É em seu relato verbal, confidenciados à Watari, que vemos o quanto a dor da perda de sua filha, a mágoa pelas traições de sua esposa, somadas à infinita tristeza por tê-la perdido para um câncer, o transformaram em quem ele é hoje.


E o quão longe ele pode ir, movido por sentimentos nada nobres como a vingança, apenas para satisfazer seu ego. Como a intencional amizade que arquitetou com um dos amantes de sua esposa, apenas para descobrir o que ela viu nele. Uma missão dolorosa e sem sentido, que só contribui para aumentar sua amargura.



A narrativa ganha então camadas muito interessantes e o personagem principal se revela de tal forma, que fica evidente o quanto sua vida bem sucedida e agitada esconde uma realidade solitária e vazia. Como se Kafuku fosse um dos personagens do quadro Nighthawks de Edward Hopper, o qual retratava muito bem o que era estar só, mesmo que acompanhado.


Kafuku, assim como as pessoas pintadas por Hopper, estava coberto por uma aura de solidão e apatia. Nem a agitação da metrópole em que vivia ou sua rotina extremamente ocupada servia de estímulo. Era como se estivesse anestesiado diante da vida, apenas a vendo passar. Fazendo apenas o que precisavam fazer, nada de ação, apenas reação. Optou por levar uma vida sem significado ou emoção e solitário segue sua rotina.


Uma opção que, com um olhar otimista, podemos dizer ser melhor que a escolha de Ole Andreson, personagem de Ernest Hemingway em Os Pistoleiros, que afirma "Nada se pode fazer", enquanto aguarda seu próprio assassinato acontecer. Ole Andreson estaria, portanto, em um nível de descontentamento com a vida muito maior que Kafuku e as pessoas de Hopper. Pois, ele optou apenas por sentar e esperar sua inevitável morte, deixando bem claro o motivo: "Estou cansado de viver fugindo".


Seria esse, talvez, o pretexto de Kafuku: fugir de si mesmo enquanto vive outra realidade? Como refletido nas conversas dele com Watari, na vida todos nós desempenhamos algum papel. Nos deixando transformar pelas circunstâncias, reagindo conforme assimilamos o que nos acontece. Para depois, voltarmos ao nosso papel original.

"Mas, quando volta, a posição está um pouco diferente de antes. Essa é a regra.Nunca volta a ser exatamente como era antes".

Talvez Kafuku precisasse fugir constantemente, encenando papéis em uma rotina atribulada, para não encarar seus próprios demônios. Quem sabe? Nós leitores, podemos apenas imaginar os possíveis desdobramentos dessa narrativa, cujo escritor não nos entrega completa.


Mas o que fica de mais relevante é a observação sobre o quanto nos deixamos atingir pelos acontecimentos da vida e como isso nos transforma, pautando nossas próximas atitudes e decisões. E nem precisam ser acontecimentos marcantes e profundos como os da vida de Kafuku, às vezes um atraso ou um desvio no caminho, podem mudar tudo.


Afinal, somos o que fazemos com aquilo que nos acontece.


 

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Obrigada por ler! 🤓

Espero que tenha gostado e se inspirado a ler o livro.

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Nos vemos no próximo texto 🥰



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