A história da presença das mulheres na ABL, desde se sua fundação até os dias atuais.

Reconhecimentos Literários: As Mulheres na ABL.
Muito se comenta sobre a diversidade dentro da ABL.
Faltam mulheres, pessoas negras e LGBTQIA +, só para citar alguns dentre tantos grupos minoritários que não possuem representantes na academia, que tem um papel de referência da produção literária de um país tão diverso como o Brasil.
Ao longo de 127 anos de existência, apenas 9 mulheres passaram pela casa, sendo que a primeira foi admitida após 80 anos da sua fundação.
Atualmente, há apenas 4 mulheres: Ana Maria Machado, Rosiska Darcy de Oliveira, Fernanda Montenegro e Heloísa Teixeira no grupo de 40 membros. E há a expectativa para a posse de mais uma mulher em 2024, a acadêmica Lilia Schwartz.
Por outro lado, a história nos diz que mulheres participaram da idealização e fundação da ABL, sendo excluída do grupo de membros oficiais apenas pelo fato de ser mulher.
Vamos conhecer essa e outras histórias para compreender como e dá a participação das mulheres na Academia Brasileira de Letras.
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De portas fechadas para as mulheres
Negar a entrada de uma intelectual à ABL, simplesmente pelo fato de ela ser mulher, faz parte da história da instituição. Segundo registros, a escritora Júlia Lopes de Almeida fazia parte da comissão fundadora da ABL, mas não teve sua cadeira entre os 40 imortais fundadores. O motivo? A academia não aceitava mulheres.

Na época, Júlia já tinha livros publicados, participou de encontros — inclusive recepcionando algumas reuniões em sua casa — e, por isso, teve seu nome cotado para ser uma das imortais na inauguração.
Entretanto, teve seu nome cortado sob o argumento da instituição brasileira seguir o modelo da Academia Francesa de Letras, que não permitia a entrada de mulheres.
Como forma de “homenagear” Júlia Lopes de Almeida, os imortais fundadores elegeram seu marido, Filinto de Almeida, poeta português residente no Brasil, que entra para a ABL em 1897.
O acontecimento gerou algumas críticas, inclusive de membros, mas nada tão relevante e capaz de causar mudanças.
Prova disso é que, em 1930, 33 anos após a fundação da ABL, a advogada, escritora, jornalista e pioneira na luta pelos direitos das mulheres no Brasil, Amélia Carolina de Freitas Beviláqua, teve sua candidatura rejeitada pelo mesmo motivo.
Na justificativa, foi utilizado um trecho do estatuto que determinava que poderiam se candidatar: “brasileiros que tenham, em qualquer gênero literário, publicado obras de reconhecido mérito ou fora desses gêneros, livros de valor literário”. Para os membros, o termo “brasileiros” restringia as candidaturas a pessoas do gênero masculino.
Anos após esse episódio, foi a vez da romancista, contista e cronista Dinah Silveira de Queiroz tentar entrar para o grupo, mas teve sua candidatura negada sob a mesma justificativa das que a antecederam.
Assim, a fim de não gerar mais dúvidas e esclarecer a proibição de mulheres na ABL, impedindo novas candidaturas de mulheres, os membros optaram por realizar uma alteração no estatuto, explicitando que: “os membros efetivos serão eleitos, dentre os brasileiros, do sexo masculino…”
Apesar do conservadorismo e discriminação da instituição para com as mulheres escritoras, nem todos os membros concordavam com essa postura.
Dentre esses membros, se destaca o acadêmico Oswaldo Orico. Há registros de que, desde a década de 60, ele vinha pedindo para a comissão deliberar sobre esse trecho do estatuto. Porém, somente em 1976 ele consegue apresentar uma proposta formal de alteração, que passou meses em discussão até ser finalmente aprovada.
Com isso, em outubro de 1976, quase 80 anos após sua fundação, o novo estatuto entra em vigor sem restrições para a entrada de mulheres na ABL.
Há quem diga que os membros foram mais receptivos a discutir o tema, não pela insistência de Oswaldo Orico, tampouco por entenderem a importância da representatividade na casa; mas sim, por terem um nome de uma importante e influente escritora, amiga de muitos, em vista para entrar na casa.
A primeira a entrar
A entrada da primeira mulher na ABL acontece em 1977, após 80 anos de existência da instituição e menos de um ano após a alteração do estatuto.
Rachel de Queiroz é empossada e passa a ocupar a Cadeira 5, na sucessão de Cândido Motta Filho, sendo recebida pelo Acadêmico Adonias Filho.

Escritora, cronista e jornalista cearense, Rachel iniciou sua produção literária na adolescência e publicou seu primeiro livro, “O Quinze” aos 19 anos. Mesmo com sua relevância literária e sua entrada na ABL sendo um marco histórico para as mulheres na instituição, a nova imortal acabou causando polêmicas.
Na vida particular, a escritora sempre foi muito ativa politicamente, se associou a partidos e chegou a ser perseguida durante a ditadura. Tinha familiares e amigos próximos em importantes cargos políticos, causando dúvidas sobre o real motivo da abertura da casa para uma mulher.
Outro tema que gerou debate na época, antes de sua posse, foi a discussão sobre a sua roupa. Qual seria a veste da primeira mulher da ABL? O tema foi tão falado que beirou a piada, uma vez que nada deveria ser mais importante do que a obra de Rachel e o fato marcante de ser a primeira mulher na academia.
Já no dia da posse, aos olhos do público e da imprensa, a decepção.
Muito se comemorava pela entrada da primeira mulher na instituição e havia expectativa para como isso seria tratado na solenidade de posse. Porém, Rachel nada disse sobre o tema em seu discurso de posse.
Depois da posse, quando o acadêmico Adonias Filho faz seu discurso de recepção, também não fala nada sobre o marco histórico.
Um dia histórico, encenado como um dia normal.
As motivações da mudança
Rachel sempre fez questão de dizer que se portava e se via como igual e não querendo se utilizar do fato de ser mulher para diferenciar-se profissionalmente. Perspectiva um pouco distorcida do que significa ter mulheres ocupando lugares que há anos não puderam ocupar.
Não há na luta de igualdade o desejo de diferenciar-se, e sim o de acabar com injustiças e desigualdades por questões de gênero. Talvez, a visão de Rachel se dê pelo contexto da época ou ainda por seu contexto pessoal.
Fato é que, apesar de não se dizer feminista, tinha uma visão progressista e tratava em seus textos sobre os direitos e liberdades femininas. Nesse registro, ela comenta após sua posse sobre a importância da educação para a emancipação das mulheres.
Nos bastidores, a aceitação de Rachel na Academia era vista como politicagem, nada tendo a ver com alguma evolução de pensamentos dos membros. Osvaldo Orico, que há anos defendia a alteração do estatuto para permitir candidaturas de mulheres, alegou que os membros decidiram discutir o tema devido à forte campanha do acadêmico Adonias Filho.
Ele, que assim como outros acadêmicos, eram amigos de Rachel de Queiroz, teriam interesse nas boas relações e influência que a escritora possuía com importantes políticos da época. Orico, chega acusar a ABL de uma troca de favores com setores políticos.
Em uma entrevista da escritora Rachel de Queiroz ao Programa Roda Vida, em 1991, ela comenta sobre ter sido a primeira mulher a entrar para a ABL, dizendo “Eu não tive culpa” e conta um pouco dos bastidores de sua eleição.
Fica evidente que ela não via sua entrada para a academia como uma conquista das mulheres... É no interessante ouvi-la sobre o tema, principalmente considerando o contexto da época.
Uma porta se abriu
Acontece que, independentemente das reais motivações, após a entrada de Rachel de Queiroz, a ABL abriu uma porta que não poderia ser mais fechada.
Ainda de forma tímida e bastante seletiva, algumas escritoras tiveram sua posse como imortais:
Dinah Silveira de Queiroz, romancista, contista e cronista brasileira, que teve sua primeira candidatura rejeitada, mas foi aceita em 1980;
Lygia Fagundes Telles, advogada, romancista e contista, foi a terceira mulher aceita em 1985;
Nélida Pinon, jornalista e escritora, aceita em 1989;
Zélia Gattai, escritora, fotógrafa e memorialista, aceita em 2001;
Ana Maria Machado, jornalista, professora, pintora e escritora, aceita em 2003 e segue na academia atualmente;
Cleonice Berardinelli, professora universitária especialista em literatura portuguesa, aceita em 2009;
Rosiska Darcy, jornalista, escritora, aceita em 2013 e segue na academia atualmente;
Fernanda Montenegro, atriz e escritora, foi aceita em 2021 e segue na academia atualmente. Sua entrada também marca a abertura da academia para uma artista popular, com uma carreira consolidada como atriz de novelas;
Heloísa Teixeira, ensaísta, escritora, editora e crítica literária, foi aceita em 2023 e segue na academia atualmente;
Lilia Schwarcz, historiadora, antropóloga, pesquisadora e professora, foi a mais recente, eleita em março de 2024, mas aina não tomou posse.
Ainda têm muitas para entrar
Ao todo, apenas 10 mulheres foram aceitas na ABL, em um grupo de 40 integrantes que se renovou diversas vezes ao longo de 125 anos.
Muitos sentem falta da presença de importantes escritoras como Clarice Lispector, Cecília Meireles, Hilda Hilts entre outras que nunca tiveram chance de entrar, apesar da importância de suas obras para a literatura brasileira.
Se pensarmos em mulheres negras, então, nenhuma fez parte da academia.
Diante da falta de diversidade dos membros, em 2018, a jornalista Flávia Oliveira se manifestou em sua rede social, após vagar uma cadeira na ABL: “Eu voto em Nei Lopes e Martinho da Vila. Sem falar na Conceição Evaristo. ‘Tá’ faltando preto na Casa de Machado de Assis”.
Não demorou muito para a ideia ganhar visibilidade e apoiadores na internet. Fãs da escritora Conceição Evaristo se mobilizaram, criando dois abaixo assinados e a hashtag #ConceicaoEvaristonaABL, em favor de sua candidatura.
Ao saber da mobilização nas redes, a escritora, mesmo surpresa, se motivou a apresentar sua candidatura, que foi formalizada em maio de 2018.
Entretanto, como explicado aqui https://www.conteudoraizes.com/post/reconhecimentos-literarios-academia-brasileira-de-letras-parte-ii#viewer-cgna4), faz parte das regras não escritas da ABL que o candidato faça movimentações paralelas para garantir sua eleição.
Como Conceição optou por não seguir esses rituais extra oficiais, e tampouco tinha um padrinho na academia, acabou tendo sua candidatura fortemente recusada, recebendo apenas 1 voto.
Na época, durante uma palestra no Salão Carioca do Livro, ela disse: “Se eu entrar, não será porque escrevi um ‘Marimbondo’ do Sarney, não. Eu quero entrar porque é um lugar nosso, porque temos direito”.

Conceição Evaristo é uma mulher negra, de origem humilde, nascida em uma favela em Belo Horizonte, que trabalhou como empregada doméstica na juventude para poder se manter e completar seus estudos.
Quando adulta, se mudou para o Rio de Janeiro e passou a trabalhar como funcionária pública na área do magistério. Formada em Letras, é mestre em Literatura Brasileira pela PUC-Rio e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense, com diversas obras publicadas e premiadas, dentre eles um Prêmio Jabuti, em 2015, na categoria Contos e Crônicas, por Olhos D'Água.
Apesar da qualidade e relevância da sua obra, que são inquestionáveis, desde o início do movimento muitos já sabiam que o resultado seria negativo. Tanto pela forma como a escritora resolveu se candidatar, como por acreditarem que uma mulher negra não seria aceita na ABL.
Mas, a escritora e seu público também sabiam que sua candidatura colocaria luz na falta de negros e mulheres na academia, podendo causar assim algum movimento. E que de fato aconteceu com a repercussão da imprensa e o impacto que alguns acadêmicos alegaram sentir nesse processo.
Na época, falou-se que o movimento causou pressão e intimidou a ABL, que passou a receber questionamentos sobre a falta de representatividade entre seus membros.
Dois anos depois, em 2020, Nélida Pinon, uma das poucas mulheres na ABL e a primeira a chegar à presidência da instituição, participou do Programa Roda Viva, sendo questionada sobre a falta de representatividade na academia.
Ela disse haver discussões sobre a necessidade de ter mais mulheres e figuras negras na academia, sim, mas sempre escolhidos pela relevância de sua obra e nunca por uma falsa piedade.
Nélida também falou sobre o que achou da candidatura de Conceição Evaristo. Ela contou não estar no Brasil na época e por isso não teve a oportunidade de conversar com Conceição. Mas, em sua visão, como a escritora não seguiu os procedimentos de praxe e não fez uma campanha, acabou não sendo considerada.
Em setembro de 2021, foi a vez de Conceição Evaristo participar do mesmo programa. Ao ser questionada sobre sua tentativa de entrar na ABL e se pretendia se candidatar novamente, ela diz que respeita a academia, mas entende ser necessária uma renovação; e que provavelmente não fará uma nova candidatura, por acreditar que não seria aceita novamente.
Ela entende ter feito sua parte ao causar essa reflexão na ABL e incentivado que outros escritores e escritoras, negras, indígenas e das mais variadas representatividades, se candidatem.
Os avanços recentes
Nos últimos anos podemos ver movimentações da academia, em diversos sentidos, ao que seria uma modernização da casa e também a formação de um grupo de imortais mais diversos.
A começar pela entrada de Fernanda Montenegro, em 2020 e Gilberto Gil, em 2022. Ambos artistas de massa e com atuações e produções culturais fora do meio acadêmico.

Meses antes de sua posse, em entrevista para o Fantástico, Fernanda Montenegro comentou que sua entrada na ABL deixaria a academia mais popular, mais pop como diz, uma vez que ela é uma artista popular.
Também falou sobre a necessidade de representatividade de mulheres e negros na academia e contou quais são os seus planos após empossada. A solenidade da atriz ocorreu no dia 25 de março de 2020.
Já o cantor, compositor, escritor, multi-instrumentista e produtor musical, Gilberto Gil, foi o segundo negro a ingressar na casa. Em um trecho de seu discurso de posse ele diz:
“Entre tantas honrarias que a vida generosamente me proporcionou essa tem para mim uma dimensão especial, não só porque aqui é a casa de Machado de Assis, um escritor universal, afrodescendente como eu, mas também porque a ABL, fundada em 20 de julho de 1897, representa mesmo para quem a crítica a instância maior que legitima e consagra de forma perene a atividade de um escritor ou criador cultura em nosso país”.
Anos depois, em 2023, uma nova mulher é aceita Heloisa Teixeira — conhecida até 2023 como Heloisa Buarque de Hollanda, sobrenome de seu primeiro marido.

Pensadora do feminismo brasileiro, diretora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC-Letras/UFRJ), onde atua como coordenadora do Laboratório de Tecnologias Sociais, do projeto Universidade das Quebradas, e o Fórum M, espaço aberto para o debate sobre a questão da mulher na universidade.
Suas pesquisam focam na relação entre cultura e desenvolvimento, área em que é referência, dedicando-se à poesia, relações de gênero e étnicas, culturas marginalizadas e cultural digital.
Sobre sua posse ela afirmou em entrevista ao jornal O Globo: “Em 126 anos da academia, é a primeira vez que uma mulher sucede uma mulher. Pra você ver quão poucos nós somos. São o total de 10 mulheres pra 339 homens. É absurda essa porcentagem. Mas agora vai mudar”.
Outra novidade é que sua eleição foi a primeira na história da ABL a acontecer de forma eletrônica, com uma urna cedida pelo TRE. A alteração deixa pra trás os votos em papel, que ao final da eleição eram queimados em um caldeirão.
Já para 2024 os movimentos de mudança continuam, primeiro com a posse do ambientalista, filósofo, poeta, escritor Ailton Krenak, que traz diversidade através de representatividade e novas perspectivas de mundo para a academia. Um exemplo disso foram os detalhes nada tradicionais que compuseram a recepção de sua posse.
Fundador, em 1985, da ONG Núcleo de Cultura Indígena, para promover a cultura indígena e ativista da causa dos povos originários, Ailton tem diversas obras publicadas, sempre defendendo a cultura e tradição indígena.
E depois, com a eleição de mais uma mulher, a historiadora, antropóloga, pesquisadora e professora Lilia Schwarcz. Em seu currículo tem mais de 30 livros publicados e a atuação como Professora sênior do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo e Global Scholar (de 2008 até 2018) e atualmente é Visiting Professor em Princeton. E faz parte do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (Iphan) e do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da República.
Sobre sua entrada para a academia, o presidente da casa, Merval Pereira, disse: “Queríamos mais mulheres, porque perdemos recentemente várias de nossas confreiras e tínhamos uma dívida com a representatividade da mulher”.
De forma geral, também temos visto uma ABL mais ativa nas redes sociais, promovendo atividades culturais diversas e acessíveis ao público e não só para o universo acadêmico.
Que seja um movimento constante, na busca de aproximar verdadeiramente a população com a literatura brasileira, através do pertencimento e representatividades. Seguirei acompanhando!
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